alergia e cotidiano

as mudanças climáticas e a poluição como
agravantes da alergia
Desde o começo do século XX se observa uma deterioração gradual do nosso meio ambiente, resultado direto da ação humana, em grande parte devido a urbanização, a
industrialização e ao crescimento populacional desenfreado.
A qualidade do ar vem piorando e a ocorrência de eventos climáticos extremos vem aumentando e estes fatos impactam diretamente a frequência e a gravidade de muitas doenças. Isso é especialmente importante no caso das alergias, que são doenças que possuem uma relação muito íntima com o ecossistema em que vivemos. Não à toa estamos vendo um aumento dos casos de alergias no mundo todo nas últimas décadas.
o papel das mudanças climáticas nas alergias
A degradação do meio ambiente gera, de forma direta, as chamadas mudanças climáticas, caracterizadas por alterações na temperatura e umidade do ar, levando a ondas de calor e má distribuição de chuvas com enchentes e, também, secas extremas. Uma consequência marcante disso é o aumento de queimadas de florestas, resultando na liberação de poluentes no ar e na perda de biodiversidade na região. Essas mudanças no clima interferem diretamente na quantidade e na qualidade dos alérgenos existentes a nossa volta, como fungos, ácaros e pólens, impactando diretamente as alergias.
Sabemos que o clima influencia diretamente a fauna e a flora, assim como a agricultura e pecuária e, portanto, alergias a insetos e mesmo as alergias alimentares podem ser impactadas com o aumento das mudanças no clima. Entretanto, a piora da qualidade do ar é uma das principais consequências das mudanças climáticas e, por isso, temos as alergias respiratórias (ex.: a asma e a rinite) como sendo as mais afetadas.
Como exemplo, estamos vendo pelo mundo um aumento de um fenômeno chamado “asma relacionada a tempestades”, do inglês thunderstorm asthma, que é um aumento de casos de asma por pólens e fungos após tempestades extremas. Acredita-se que a corrente de ar varra os grãos de pólen e alguns fungos, os concentrando em uma faixa rasa de ar no nível do solo e facilitando o contato destes alérgenos com os indivíduos alérgicos.
As chuvas intensas também estimulam diretamente o crescimento de fungos nos ambientes e estes mofos agem irritando o sistema respiratório e estimulando o sistema imunológico, causando o aumento dos sintomas alérgicos. Inundações podem também aumentar o aparecimento de pragas urbanas como as baratas, além de favorecer a proliferação de mosquitos pernilongos, acarretando alergia a estes insetos.
Os ácaros também parecem ser afetados pelas mudanças no clima. Eles são aracnídeos minúsculos, da família dos carrapatos e aranhas e que gostam de ambientes úmidos. O aquecimento global vem expandindo os habitats desses seres, além de favorecer a sua multiplicação e, também, diversificação, ou seja, aparecimentos de novas espécies causadoras de alergia.
Um ponto importante, mas pouco comentado, é o impacto das mudanças climáticas nos microrganismos, principalmente as bactérias, e como isto impacta as alergias. Sabe-se que a perda da biodiversidade no nosso ecossistema, assim como o estilo de vida em grandes cidades vem afetando a microbiota existente no corpo dos seres humanos, causando um desbalanço dela. Isto prejudica diretamente o sistema imunológico,
favorecendo respostas imunológicas alérgicas.
a poluição atmosférica como agravante das alergias respiratórias
Um dos pontos mais importantes quando falamos em dano no meio ambiente é a poluição atmosférica. Ela é derivada, principalmente, do aumento desenfreado da queima de combustíveis fósseis e é uma das grandes causadoras das mudanças climáticas, como também é aumentada por tais mudanças, em um efeito retroativo. Queimadas também liberam muitos poluentes, sendo os principais deles os materiais
particulados (ex.: o MP 2,5) que são leves e finos e ficam em suspensão no ar. Muitos estudos científicos já mostraram que pacientes com asma pioram seus sintomas quando expostos de forma prolongada aos MP 2,5, assim como outros poluentes como o óxido nítrico (NO₂).
Primeiramente, é importante saber que poluentes presentes no ar não causam alergias diretamente, ou seja, não são alergênicos. Entretanto, possuem características químicas que favorecem o transporte e penetração dos alérgenos pelas vias respiratórias. Ou seja, a poluição pode deixar a pessoa mais sensível a esses alérgenos e aumentar a frequência das alergias respiratórias, como a asma e a rinite. No mais, os poluentes podem causar danos diretos no organismo, com aumento da inflamação e da produção de muco pelas células do sistema respiratório.
Um estudo científico publicado recentemente na renomada revista Nature, indica que o papel dos poluentes possa ser ainda mais grave*. Um grupo de cientistas australianos realizaram experimentos científicos em ratas grávidas, onde algumas ratas foram expostas a um ambiente poluído com MP 2,5 e as outras a um ambiente limpo. A ninhada dos dois grupos de ratas nasceu e cresceu em ambiente limpo, mas os filhotes
das ratas expostas ao poluente durante a gravidez tiveram alergias respiratórias mais severas.
A Dra. Razia Zakarya, da Universidade de Tecnologia de Sydney, Austrália e uma das responsáveis pelo estudo, explica: “A poluição durante o desenvolvimento do feto foi capaz de causar modificações a nível do DNA nas células do epitélio do pulmão dos filhotes, causando um aumento da gravidade da asma quando esses filhotes viraram adultos”.
Outro ponto de preocupação é a nossa produção e consumo desenfreados de plásticos. É sabido que partículas de microplásticos podem se dispersar pelo ar, vindo da decomposição de plásticos diversos, como sacolas e outras embalagens, ou da abrasão deles, como no caso do atrito de pneus de carros ou em processos industriais diversos. Estas minis partículas podem ser inaladas e se acumular nos pulmões, causando reações imunológicas, danos nos tecidos respiratórios e piora dos quadros alérgicos.
É fato que nos últimos anos cresceu o número de estudos científicos comprovando o papel da poluição atmosférica na prevalência de alergias respiratórias e na exacerbação de crises alérgicas, tanto em adultos quanto em crianças. O desafio agora é encontrar maneiras de lidarmos com esse nosso novo cotidiano.
pensando no Futuro, o que podemos fazer?
Apesar das chamadas urgentes por ações que visem reverter os danos no meio ambiente, essa deterioração continua se acelerando. Estamos vivenciando um rápido aumento de produção de energias renováveis, mas ao mesmo tempo, a taxa de emissão de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono e o metano continuam a subir. A diminuição da emissão desses gases deve ser um ponto de interesse de todos os países.
Pensando de forma individual, a pessoa alérgica deve estar sempre atenta a qualidade do ar a sua volta, principalmente de dentro da sua residência e no ambiente de trabalho. Deve-se monitorar constantemente a porcentagem de poluentes, além da temperatura e da umidade do ar. Nas regiões mais afetadas, o uso de ar-condicionado, desumidificadores e filtros de partículas podem vir a serem necessários.
Ao mesmo tempo, é essencial uma maior conscientização das pessoas para que essas se interessem e divulguem as políticas ditas verdes. O objetivo principal é a diminuição da queima de combustíveis fósseis e do uso de plásticos, além do aumento do reflorestamento, principalmente nas áreas urbanas onde se evidencia uma taxa alta de poluentes atmosféricos. A melhora da nossa qualidade do ar é um tópico cada vez mais urgente e que merece atenção de toda a nossa comunidade.
* Zakarya, R., Y. L. Chan, B. Wang, A. Thorpe, Consortium Single-Cell Mouse Lung Disease Atlas, D. Xenaki, K. F. Ho, H. Guo, H. Chen, B. G. Oliver, and C. O'Neill. "Developmental Air Pollution Exposure Augments Airway Hyperreactivity, Alters Transcriptome, and DNA Methylation in Female Adult Progeny." Commun Biol 8, no. 1(2025): 400.